Ostras e Vinho: Um casamento de sabores que vai além do espumante.
- Moisés Silva
- 23 de fev.
- 4 min de leitura
Atualizado: 6 de mar.

Não há nada mais convidativo do que uma deliciosa taça de champagne (ou outro espumante de qualidade) ao lado de uma ostra fresquíssima, recém-aberta. Essa cena sofisticada e envolvente desperta nossa imaginação e nos transporta para um universo de prazer, evidenciando o sucesso dessa combinação clássica entre vinhos e alimentos. Contudo, como especialista em vinhos, acredito ser fascinante explorar outras dimensões dessa relação entre ostras e vinhos, indo além da tradicional parceria com espumantes e descobrindo alternativas que podem surpreender e encantar os sentidos.
A união entre champagne ou espumantes e ostras é conhecida muito conhecida no mundo dos sommeliers. Historicamente, desde o surgimento das renomadas casas de champagne no início do século XVIII, a aristocracia europeia já desfrutava dessa dupla icônica. Hoje, graças à produção global de espumantes acessíveis e ao cultivo profissional de ostras, essa combinação se tornou amplamente popular. No entanto, do ponto de vista técnico, essa harmonização apresenta algumas peculiaridades intrigantes que merecem atenção.
Quando degustamos uma ostra fresca, percebemos imediatamente sua textura suculenta, seu sabor salgado marcante (lembrando o mar), praticamente nenhuma gordura, um aroma discreto e um toque intenso de iodo. Esses elementos fazem das ostras um alimento único, mas também desafiador na hora de combiná-las com vinhos. Já os espumantes, por sua vez, destacam-se pela acidez vibrante (proveniente de uvas menos maduras) e pelas borbulhas de gás carbônico, que intensificam a sensação de "dureza" no vinho (acidez e salinidade) e reduzem a "maciez" (doçura e álcool). Quando combinamos ostras e espumantes, ocorre um choque: o salgado da ostra se torna ainda mais pronunciado devido à acidez do vinho, enquanto as bolhas amplificam essa impressão sem que haja algo doce ou gorduroso na ostra para equilibrar. Além disso, a suculência da ostra não é neutralizada pelo álcool ou taninos do vinho; pelo contrário, o espumante estimula ainda mais a salivação. É uma colisão de dureza com dureza, suculência com suculência. Mesmo assim, essa combinação continua sendo uma das mais adoradas e consumidas ao redor do mundo!

Mas, do ponto de vista técnico enogastronômico, quais vinhos poderiam funcionar melhor com ostras servidas cruas? Primeiramente, é essencial optar por brancos, pois o alto teor de iodo presente nas ostras tornaria a escolha de tintos com taninos uma experiência desastrosa – imagine lamber um poste enferrujado! Pelo mesmo motivo, evitam-se brancos maturados em barris de carvalho, que podem trazer notas metálicas indesejadas. A delicada aromaticidade das ostras descarta brancos excessivamente frutados, florais ou minerais. Assim, os melhores parceiros são brancos de corpo leve a médio, com aromas sutis, acidez equilibrada, mas não dominante, e uma maciez alcoólica e glicérica suficiente para suavizar o impacto salino das ostras.
Entre as opções clássicas encontradas nos bistrôs franceses estão os Chablis da categoria "villages" e os Muscadets. Também recomendo alguns Sauvignon Blancs do Chile e da Argentina, um Pinot Blanc alsaciano suave e elegante, um Pinot Grigio italiano crocante ou um Alvarinho português delicado. Se preferir manter a tradição com espumantes, lembre-se de que a enogastronomia é uma ciência que, quando desafiada, pode proporcionar momentos de puro deleite!

Outra categoria de vinhos que merece destaque nessa jornada de harmonizações é a família dos vinhos de Jerez, ou Sherry, originários da região de Jerez de la Frontera, na Espanha. Esses vinhos fortificados, feitos principalmente da uva Palomino, oferecem uma variedade de estilos que podem surpreender ao lado das ostras. O Fino e o Manzanilla, por exemplo, são Sherries secos e leves, com uma acidez vibrante e nuances salinas que complementam perfeitamente a salinidade das ostras. A flor de levedura que se desenvolve durante o envelhecimento em barris confere a esses vinhos um caráter único, com toques de amêndoas e ervas, criando uma harmonia elegante com a delicadeza das ostras.
Outro estilo interessante é o Amontillado, que começa como Fino ou Manzanilla, mas perde a flor de levedura e continua a envelhecer oxidativamente, ganhando complexidade e notas de nozes e especiarias. Apesar de ser um pouco mais encorpado, o Amontillado mantém uma acidez refrescante que equilibra a salinidade das ostras, resultando em uma combinação sofisticada e cheia de camadas.
Para os mais ousados, o Palo Cortado, um estilo raro e complexo que combina características do Amontillado e do Oloroso, pode ser uma escolha intrigante. Com sua textura sedosa e riqueza de sabores, o Palo Cortado pode harmonizar bem com ostras mais gordurosas ou preparadas com molhos elaborados.

Além dos Sherries, outros brancos secos e minerais também são excelentes companheiros para as ostras. Os Rieslings secos da Alemanha ou da Alsácia, com sua acidez vibrante e notas cítricas, cortam a gordura e realçam os sabores marítimos. Os Chardonnays não barricados, como os Chablis mencionados anteriormente, também são uma escolha clássica, com sua mineralidade e frescor que complementam a delicadeza das ostras.
Os vinhos naturais, que têm ganhado espaço nos últimos anos, também podem surpreender nessa harmonização. Produzidos com mínima intervenção, muitas vezes exibem uma acidez natural e uma complexidade de sabores que dialogam de forma inusitada com as ostras. Um vinho laranja, feito a partir de uvas brancas fermentadas com as cascas, pode trazer uma textura mais robusta e notas de frutas secas e especiarias que contrastam de maneira interessante com a salinidade das ostras.
Além das ostras cruas, vale considerar como diferentes preparações podem influenciar a harmonização. Ostras grelhadas, por exemplo, ganham uma textura mais firme e sabores mais intensos, pedindo vinhos um pouco mais encorpados, como um Chardonnay maturado em carvalho ou até mesmo um tinto leve, como um Pinot Noir. Já ostras empanadas e fritas podem combinar bem com vinhos mais estruturados, como um Sauvignon Blanc robusto ou até um espumante rosé.
Em suma, a harmonização entre vinhos e ostras é um campo vasto e repleto de possibilidades, que vai muito além do clássico champagne. Desde brancos secos e minerais até os Sherries de Jerez de la Frontera, passando pelos vinhos naturais e espumantes brut, há um universo a ser explorado. O segredo está em compreender as características das ostras e dos vinhos, buscando combinações que elevem e celebrem os sabores de ambos. Então, da próxima vez que você se deparar com uma taça cintilante e uma ostra tentadora, lembre-se de que há um mundo de experiências esperando para ser descoberto. Quem sabe você não se anima a experimentar algo novo? Afinal, na enogastronomia, a única regra é o prazer!
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